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Ave migratória, nunca registrada no Brasil, é vista em Santana do Riacho, MG

Espécie típica da América do Norte, mariquita-do-cabo-may nunca havia sido documentada no país e foi fotografada por acaso. Mariquita-do-cabo-may (Setophaga...

Ave migratória, nunca registrada no Brasil, é vista em Santana do Riacho, MG
Ave migratória, nunca registrada no Brasil, é vista em Santana do Riacho, MG (Foto: Reprodução)

Espécie típica da América do Norte, mariquita-do-cabo-may nunca havia sido documentada no país e foi fotografada por acaso. Mariquita-do-cabo-may (Setophaga tigrina) João Carlos Lopes Ferreira Era para ser só mais uma saída despretensiosa com a câmera, mas bastou um clique no lugar certo, na hora certa, para que um observador de aves amador fizesse história. Ao registrar uma ave incomum entre arbustos em Santana do Riacho (MG), o engenheiro de dados João Carlos Lopes Ferreira se tornou o autor do primeiro avistamento confirmado da mariquita-do-cabo-may (Setophaga tigrina) no Brasil, uma espécie que costuma migrar entre o Canadá e o Caribe e jamais havia sido oficialmente documentada em território brasileiro. O registro no começo do mês de junho, poucos dias após uma viagem de João Carlos à Serra Sagrada, em Santana do Riacho, com o objetivo de conhecer o povo Yawanawá, comunidade originária que vive na bacia do rio Gregório, no Acre. Encantado com a cultura local, aproveitou um tempo livre para caminhar com sua câmera em mãos. “Estava no jardim fotografando alguns tico-ticos quando vi uma ave diferente entre eles. No primeiro momento, achei que fosse um canário-da-terra, mas quando aproximei a câmera, percebi que era um pássaro diferente, só não fazia ideia de qual espécie era”, conta João. João postou o registro no WikiAves e no iNaturalist ainda no domingo à noite, acreditando tratar-se de uma mariquita-papo-de-fogo (Setophaga fusca), espécie semelhante. Foi só na manhã seguinte que a ficha caiu. Aos poucos, mensagens de ornitólogos e observadores começaram a chegar parabenizando o feito inédito. Espécie costuma migrar entre o Canadá e o Caribe, sem passar pelo Brasil João Carlos Lopes Ferreira “Fiquei incrédulo. Pensei: ‘Será que esse pessoal tá viajando? Será mesmo que é essa mariquita que eles tão comentando?’”, diz o observador. Na semana anterior, João havia feito outro registro inédito para o iNaturalist: uma Cuphea arenarioides, uma planta nativa do Brasil e vulnerável. Antes disso, o último exemplar tinha sido reportado em 1948. "Eu já estava feliz por isso, e aí, na semana seguinte, faço o lifer da mariquita! Não sei nem como descrever minha felicidade", diz o observador. Como a ave veio parar aqui? Segundo o ornitólogo Guilherme Brito, a mariquita-de-cabo-may é um animal que sai de suas áreas reprodutivas no sul do Canadá e norte dos Estados Unidos no inverno e migra pelo nordeste do continente norte-americano e possui áreas de invernada nas ilhas das Índias Ocidentais (Cuba, Jamaica e demais ilhas nas Antilhas) e parte na costa atlântica da América Central, sendo o mais perto da América do Sul que normalmente chegam. “Muito provavelmente esse animal teve, por causas ainda não entendidas, uma alteração ou inversão em seus sentidos migratórios que o fez sair das áreas de invernada e ao invés de viajar para o Norte de volta a suas áreas reprodutivas, se dirigiu ao Sul chegando no Brasil”, explica o especialista. Mariquita-do-cabo-may (Setophaga tigrina) João Carlos Lopes Ferreira De acordo com Guilherme Brito, trata-se de um registro acidental e relativamente raro. No entanto, ele ressalta que esse tipo de ocorrência pode estar acontecendo há muito tempo, mas, por envolver um número muito pequeno de indivíduos, é provável que muitos casos passem despercebidos por observadores ou mesmo por ornitólogos. Aves da família Parulidae são grandes migradores e animais relativamente resilientes que ocupam vários tipos de habitat em suas migrações longas e conseguem se alimentar nas áreas de parada. "Ele talvez consiga se virar num habitat um pouco diferente, mas isso demanda um acompanhamento mais de perto. Pra mim, a grande incógnita é se ele vai conseguir voltar pra sua região de origem, pois vários mecanismos migratórios podem depender da localização”, elucida Guilherme. O registro da mariquita-do-cabo-may no Brasil é, segundo o ornitólogo, um evento isolado, mas não irrelevante. “É um registro curioso e pontual, o que dificulta tirar conclusões diretas sobre suas causas ou possíveis influências. No entanto, ele pode contribuir para a compreensão de um fenômeno maior, ainda pouco entendido”, afirma o ornitólogo. Apesar da surpresa e da empolgação que o registro provoca entre observadores, o especialista em aves pondera que não se trata necessariamente de um indício de que mais aves norte-americanas estejam migrando fora de época ou em rotas inéditas. “Erros de navegação como esse podem ocorrer em diversas espécies. Identificar se há um novo padrão em formação exige tempo, acompanhamento e o acúmulo de registros semelhantes”, finaliza. Sobre a espécie De acordo com informações do Cornell Lab, a mariquita-do-cabo-may se reproduz em florestas boreais de coníferas, onde canta, se alimenta e constrói seus ninhos no alto do dossel dos pinheiros. Durante o inverno, ela se restringe quase exclusivamente às ilhas do Caribe (Indústrias Ocidentais), onde ocorre em uma variedade de habitats. Mariquita-do-cabo-may (Setophaga tigrina) João Carlos Lopes Ferreira Embora as primeiras ilustrações da espécie tenham sido baseadas em aves capturadas no Canadá, seu nome em inglês faz referência ao local onde Alexander Wilson descreveu a espécie pela primeira vez: na cidade de Cape May, em Nova Jersey, onde, curiosamente, ela não foi registrada novamente por mais de 100 anos. A ave se alimenta principalmente de insetos, mas também consome néctar, frutas e seiva, especialmente fora da época de reprodução. Durante a reprodução, ela é especialista em lagarta-do-abeto, que é crucial para os filhotes. Em épocas de migração e inverno, sua dieta se diversifica conforme o habitat disponível, e ela pode até causar danos a vinhedos por perfurar uvas. Seu comportamento de alimentação varia: pode capturar insetos em voo, sondar flores ou coletar diretamente dos galhos. *Texto sob supervisão de Lizzy Martins VÍDEOS: Destaques Terra da Gente Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente